Tropeções da Inteligência
Há a história dos dois ursos que caíram numa armadilha e foram levados para um circo. Um deles, com certeza era mais inteligente que o outro, aprendeu logo a se equilibrar na bola e a andar no monociclo. Seu retrato começou a aparecer em cartazes e todo o mundo batia palmas: “Como é inteligente”. O outro, burro, ficava amuado num canto e, por mais que o treinador fizesse promessas e ameaças, não dava sinais de entender. Chamaram o psicólogo do circo e o diagnóstico veio rápido: “É inútil insistir. O QI é muito baixo…”
Ficou abandonado num canto, sem retratos e sem aplausos, urso burro, sem serventia…O tempo passou. Veio a crise econômica e o circo foi a falência. Concluíram que a coisa mais caridosa que poderia fazer aos animais era devolvê-los às florestas de onde haviam sido retirados. E assim, os dois ursos fizeram a longa viagem de volta.
Estranho que em meio a viagem o urso tido por burro parece ter acordado da letargia, como se ele estivesse reconhecendo lugares velhos, odores familiares, enquanto que seu amigo de QI alto brincava tristemente com a bola, último presente. Finalmente, chegaram e foram soltos.
O urso burro sorriu, com aquele sorriso que os ursos entendem, deu um urro de prazer e abraçou aquele mundo lindo de que nunca esquecera. O urso inteligente subiu na sua bola e começou o número que sabia tão bem. Era só o que sabia fazer. Foi então que ele entendeu, em meio às memórias de gritos e crianças, cheio de pipoca, música de banda, salto de trapezistas e peixes mortos servidos na boca, que há uma inteligência que é boa para o circo. O problema é que ela não presta para viver. Para exibir sua inteligência ele tivera que esquecer de muitas coisas. E este esquecimento seria sua morte.
E podemo-nos perguntar se o desenvolvimento da inteligência não se dá, sempre, às custas de coisas que devem ser esquecidas, abandonadas, deixadas atrás…
( Rubem Alves, em Estórias de quem gosta de ensinar, 1993)
Lendo essa história contada por Rubem Alves em seu livro “Estórias de quem gosta de ensinar” me questionei: será que estamos treinando nossos alunos para andar no monociclo ou se equilibrar em uma bola, tirando deles a condição de serem educados, adestrando-os para, simplesmente, passarem em concursos e vestibulares?
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